Death in June: Honra, Disciplina e Lealdade
por Stenbock
Traduzido por Guilherme Fernandes
Death In June é um projeto musical profundamente interessante. A reação do público à sua arte não é surpreendente, seja ela uma rejeição total dada sua estética provocativa ou o fascínio pela beleza de suas composições e a rica mitologia por trás delas.
Ironicamente para uma banda tipicamente associada ao nazismo e a toda a estética do Terceiro Reich, esta encontra sua gênese no Crisis, uma banda de marcantes tendências antifascistas fundada por Douglas Pearce e Tony Wakeford em 1976, quando ambos eram militantes trotskistas. Com letras tão carregadas politicamente como “Não deixe seis milhões morrer em vão” (Holocaust) ou “Sua raça e nação são uma invenção capitalista” (White Youth), Crisis não deixava espaço para dúvidas com sua mensagem. Entretanto, conflitos internos, dificuldades para tocar ao vivo e a desilusão dos membros com a política de esquerda acabariam levando à ruptura da banda.
Foi a partir das cinzas do Crisis que Death in June foi oficialmente formada. Pearce e Wakeford, determinados a continuar fazendo música após a dissolução de sua banda anterior, e após alguns meses procurando por membros, conheceram Patrick Leagas, que tinha experiência como baterista em bandas punk e tinha liderado o grupo Runners from 1984, no qual a atração pelo militarismo, mais tarde um dos pilares de Death In June, já era evidente.
Com esta formação, Douglas Pearce na guitarra, Tony Wakeford no baixo e Patrick Leagas na bateria, a carreira da banda começou. Desde sua fundação em 1981, a banda lançou 21 álbuns, experimentou estilos diferentes e mudou sua formação ao longo dos anos.
Por trás da máscara
Dos três membros originais, o único que permaneceu até hoje é Douglas Pearce, que tem liderado o projeto desde 1985, tornando-se assim a própria encarnação do Death in June.
Longe da imagem clássica de astro do rock, com uma vida de luxo e excesso, Douglas tentou ficar longe das câmeras, levando uma vida bastante privada e austera e, apesar da multidão de entrevistas que deu ao longo de sua carreira, ele conseguiu manter uma auréola de mistério e ambiguidade sob sua máscara e uniformes. Não é à toa que ele apontaria a importante correlação entre a ética japonesa do Hagakure (“Permanecer oculto sob a relva”) e seu uso de camuflagem no palco, afirmando: “Acho melhor trabalhar de forma tranquila, nos bastidores, para realmente alcançar seus objetivos. Ficar camuflado e não detectado por tanto tempo quanto possível garante melhores resultados. No entanto, a ideia vai além disso. É um compromisso único da Vontade com um determinado caminho”.
Suas obsessões, experiências e ideais são os pilares sobre os quais a mitologia do Death in June foi construída.
Como mencionado acima, ele começou sua carreira em Crisis, exibindo uma clara postura antifascista em suas composições, e com uma mensagem política tão direta que mais tarde lamentaria a falta de sutileza delas. Entretanto, ao mesmo tempo em que era ativo na militância de esquerda e crítico da Frente Nacional Britânica, ele cultivava um fascínio crescente pela estética nazista, e por tudo o que era do Terceiro Reich.
Como ele conta no documentário Death In June: Behind The Mask, embora seu pai tivesse lutado na Segunda Guerra Mundial contra o Eixo, ele não podia deixar de ficar obcecado com o exército alemão, até mesmo comprando um uniforme que provocaria a fúria de seu pai. Douglas brinca que era como um demônio que estava ali para torturá-lo com lembranças da guerra. Seu pai viria a aceitar o fascínio romântico de seu filho. No mesmo documentário, ele conta como ele finalmente permitiu que ele comprasse um capacete alemão, já desgastado pelo passar do tempo, na condição de que ele o reparasse. Infelizmente, seu pai morreu pouco tempo depois, deixando o jovem Douglas devastado e emocionalmente drenado.
Esta obsessão com o Terceiro Reich só cresceria ainda mais após a formação de Death In June, com especial atenção focada na SA, os setores purgados na noite das facas longas, e Ernst Röhm, um personagem que fascina Pearce até hoje, e que apareceu nas capas de seus álbuns. De fato, o próprio punhal com o qual Douglas foi fotografado com tanta frequência, e que pode ser visto, por exemplo, no conjunto fotográfico de “The Wall of Sacrifice”, está ligado a Röhm e à purga de 1934: ao contrário dos punhais SA comuns, ele está gravado com as palavras “Alles für Deutschland”. O desenho de sua adaga, como ele declararia à mídia francesa, é anterior à Noite das Facas Longas. Ela contém uma gravura que diz “In herzlicher Freundschaft Ernst Rohm”, ou “Em cálida amizade, Ernst Röhm”. Estas adagas foram emitidas para aqueles que se juntaram às tropas de assalto antes de 31 de dezembro de 1931, mas foram em sua maioria retiradas e a gravura eliminada após a purga da SA.
Com relação à sua vida pessoal, ele tem permanecido muito calado, mas sabemos, por exemplo, que ele é abertamente homossexual desde os dezessete anos de idade, e que ele considera isso como uma grande influência em sua discografia. Não é surpreendente, portanto, que várias músicas de Death in June tenham tons ou temas homoeróticos, tais como “Hollows of Devotion” ou “The Honour of Silence”, para citar alguns exemplos, mas tentar reduzir sua música a apenas “música gay” é prestar-lhe um mau serviço, considerando a riqueza de suas letras, e que ele mesmo procura deixá-las abertas à interpretação: “Ser abertamente gay desde 1977 tem sido uma grande influência em parte, ou na maioria, de meu trabalho. Mas isso não significa que eu escreva especificamente álbuns gays, eu não tenho essa mentalidade de gueto”.
Ao contrário do que poderíamos supor, com letras tão belas e poéticas, o frontman do Death In June não é um grande fã da literatura, preferindo ler não ficção. Entretanto, as obras de Yukio Mishima e Jean Genet teriam um impacto importante na psicologia e na arte de Pearce, juntamente com alguns outros livros, como O Mundo Naquele Verão, de Robert Müller, que inspiraria o álbum de mesmo nome. Ele foi apresentado pela primeira vez ao trabalho destes autores em 1980, mas foi só em 1985, após ler as “Pompas Fúnebres” de Genet e “O Declínio de um Anjo” de Mishima, que ele começaria a amá-las verdadeiramente:
“A beleza e o amor delas me cativaram. Ao contrário da maioria dos homens, eles nunca me abandonaram. Eram o que eles escreveram. Eram puros!”.
Muito pode ser dito sobre a influência de Mishima em Pearce. Em “Death of a Man”, por exemplo, podemos ouvir várias amostras do documentário “The Strange Case of Yukio Mishima”, como o hino de seu Tatenokai, e o título refere-se ao álbum fotográfico “Otoko No Shi” dos japoneses, que, aos 24 anos de idade, seria a primeira exposição do músico a esta importante figura em sua vida. Algo semelhante acontece com “Torture by Roses”, intitulado em homenagem a “Ba Ra Kei”, outro dos livros fotográficos do escritor.
No Natal de 1988, durante as filmagens de “The Wall of Sacrifice”, um Douglas Pearce muito doente visitaria o túmulo de Yukio Mishima em Tóquio, fotografando-se lá duas vezes: a primeira vez, sozinho e usando uma máscara, e a segunda vez, acompanhado por David Tibet e Rose McDowall.
“Ele queria deixar uma marca — ele deixou! Mas pouco sabia eu o quanto ele faria parte de minha vida na década seguinte, especialmente durante os longos, escuros e difíceis dias de 1985–90. Sua vida, pensamentos, arte e força me inspiraram e me ajudaram a sobreviver à esterilidade e incerteza que eu confio nunca mais verei”.
Quanto a Jean Genet, a quem Pearce se refere como um “ladrão bem-vindo que ajudou a abrir a fechadura de uma porta artística de inspiração que eu precisava espreitar”, ele também exerceu uma enorme influência sobre as composições do artista. “In the fog of the world”, por exemplo, do álbum “The Brown Book”, é completamente inspirado e toma versos diretamente do “Funeral Pomps” de Genet. Títulos de canções, como “Golden Wedding of Sorrow”, também são extraídos da literatura do francês:
“Genet era um ladrão desonesto e um mentiroso até mesmo para seus amigos, e nem mesmo muito limpo a julgar pelo estado de suas unhas em uma das últimas entrevistas em vídeo que tive com ele, antes de sua morte. Mas, são necessários vermes para trabalhar o solo, para enriquecê-lo com seus excrementos, portanto, com todos os vermes que ele plantou no mundo literário, não é de se estranhar que ele estivesse um pouco sujo. Seus excrementos eram, de fato, mais belos do que a maioria das chamadas obras-primas escritas por anjos tão puros quanto a neve caída, e certamente mais enriquecedores”.
Simbologia e Estética
O simbolismo e a estética desempenham um papel importante no trabalho de Death In June. Desde o nome do projeto, até seus emblemas, capas de álbum, letras e encenação, cada aspecto decorativo que envolve esta banda parece ser cuidadosamente polido e planejado. É difícil acreditar que algo tenha sido deixado ao acaso.
Morte em junho: O nome da banda, “Morte em junho”, deu origem a várias especulações, das quais a própria banda se aproveitou para manter o véu de mistério que as caracteriza. Uma das mais populares, e que parece fazer mais sentido, é que ela se refere à Noite das Facas Longas, que ocorreu em 30 de junho de 1934. O fascínio de Pearce e Wakeford pelos setores purgados naquela noite é bem conhecido, e o fato de eles terem composto uma música especificamente sobre este evento (“Till The Living Flesh Is Burned”) nos diz muito.
Os membros do grupo sempre se referiram a isso de forma ambígua. Leagas e Wakeford concordam que se trata de “um momento importante na história europeia”, e que qualquer pessoa que estude história europeia entenderá o significado do nome. Entretanto, Douglas, que é creditado com a ideia do nome e da estética do grupo, disse que o nome veio a ele por acaso depois de ouvir mal Leagas dizer “Death and Bloom”, e que só muito mais tarde ele entendeu o verdadeiro significado de “morte em junho”. Uma declaração que sustenta a teoria da Noite das Facas Longas é que em 1985, Pearce diria à revista Vogue: “Era um dia extremamente importante: eles estavam planejando derrubar ou executar Hitler. Imagino que estaríamos em um mundo completamente diferente se eles tivessem tido sucesso. É fascinante pensar que, durante algumas horas, tão poucas pessoas tiveram o destino de toda a humanidade em suas mãos e ele escapou de suas mãos”.
Totenkopf: O símbolo mais característico da banda, que geralmente pode ser visto em álbuns, shows e outros produtos, é o Totenkopf acompanhado do número seis. O significado parece óbvio: o crânio simboliza a morte, enquanto o seis representa junho, o sexto mês do ano, e é uma alegoria para o nome da banda. O uso do mesmo desenho totenkopf usado pela SS também não seria estranho se considerarmos que a banda nasceu no início dos anos 80, quando o pós-punk e a cena gótica estavam em voga, e o uso da parafernália nazista era comum entre os expoentes desta música sinistra. Alguns anos mais tarde, a revista Propaganda de Fred H. Berger também usaria o totenkopf como logotipo de sua marca.
Embora a explicação alegórica seja verdadeira, Douglas P. deu explicações mais profundas a respeito de sua identificação com estes símbolos, afirmando que eles representam uma crença absoluta e fanática, algo que ele tem buscado durante toda sua vida, como ele também expressa em sua canção “Forever Loves Decay”. Junto com isto, ele diria que o crânio é uma declaração de intenções: ao contrário do que tinham feito durante seu tempo como Crisis, Death In June é uma banda séria, com temas mais reflexivos e sem excessos humorísticos, acrescentando que sua vida e morte estão totalmente ligadas a este projeto musical. Finalmente, ele expressaria que o totenkopf é europeu, uma cultura com a qual ele se identifica plenamente e da qual ele se orgulha.
Chicote: O segundo emblema que eles têm usado, que pode ser visto em algumas de suas capas de álbum, é uma mão com um chicote, também acompanhado pelo seis. Isto apareceria pela primeira vez na capa de seu single “She Said Destroy”, ao lado de um quadro da artista francesa Fiona Anne Burr. Quanto à intenção por trás deste curioso símbolo, Douglas deixaria seu significado bem claro: “Em inglês temos a expressão ‘to have the whip in your hand’, que significa ter tudo sob controle, estar no comando! É por isso que a usamos, ela também tem um significado sadomasoquista! Marcou um novo começo e um período particular para o DIJ. Este símbolo tem muitas conotações para mim. Isto evoca muitas ideias para mim”.
Uniformes: A decoração militar tem sido parte da estética de Death in June desde seu início. Uniformes, punhais, capacetes, camuflagem. Tudo já fez parte deste grupo artístico em algum momento. O militarismo se reflete até mesmo na própria música: mais de uma vez, eles usaram amostras de marchas militares. Embora este aspecto tenha sido ligado por muitos às simpatias políticas da banda, a verdade é mais complexa. Como dissemos antes, o fascínio de Douglas pela parafernália nazista veio de sua adolescência, quando ele era um militante de esquerda, enquanto Patrick Leagas vinha de uma família militar, e de suas canções com Runners of 84, os temas marciais eram notórios. Atribuir esta característica da banda a uma mera afiliação política é reduzir o artístico ao banal.
O significado da estética marcial é mais profundo. Pearce atribuiu-lhe dois significados. Em primeiro lugar, filosófico: representa uma disciplina, mas não uma disciplina externa, proveniente de outra pessoa, mas uma disciplina interior, emanando unicamente de si mesmo. Ao contrário das massas que procuram ser dominadas, Death In June propõe que assumamos o controle sobre nossas vidas: “Queremos controlar nossas próprias vidas, e ver a confusão em que a maioria das pessoas vive simplesmente nos encoraja mais”. A segunda explicação é mais estética: os uniformes são atraentes em si mesmos, e têm uma forte carga erótica, um poder quase sexual, um aspecto no qual podemos notar certos paralelos com as ideias de Mishima ou Genet, que têm sido tão influentes em Pearce.
Ideais
Para concluir, é necessário falar sobre a orientação política de Death In June, objeto de tantas especulações e controvérsias. Não é surpreendente que um grupo com uma estética tão transgressiva gere controvérsia e debates abertos sobre quais são as ideias reais que inspiram sua arte, mas, infelizmente, isso é normalmente abordado de uma perspectiva muito superficial,
Embora Tony Wakeford e Douglas Pearce viessem de origem trotskista, eles gradualmente se afastaram dessas ideias e já quando da fundação de Di6, poderíamos dizer que seu foco havia mudado. Ao contrário das letras simples e com mensagem política direta de Crisis, a letra de Death In June são um pouco mais ambíguas, e deixam espaço para interpretação, mas há algumas cujos temas nos dão pistas sobre a postura da banda:
“Nothing Changes” e “Death of the West”, por exemplo, são ambas lamentações pela decadência em que a civilização ocidental mergulhou, e ambas contêm referências ao filósofo Oswald Spengler.
“Fields”, “We March East” e “Sons of Europe” contêm temas comuns, como a unidade dos povos europeus diante do mundo comunista (“We March East”) e do mundo capitalista (“Sons of Europe”). Esta última é provavelmente a canção com a mensagem mais explícita de todas, com letras como “Filhos da Europa, acorrentados pelo capitalismo/Filhos da Europa, enfermos de liberalismo”, “Filhos da Europa, levantem-se” ou “O sonho americano vos botou pra dormir”. A ideia é bastante clara.
Menos sutil é o que Wakeford faria após deixar o Death In June: ele formaria Above the Ruins, um grupo pós-punk que colaborou com bandas abertamente neonazistas como Skrewdriver e Brutal Attack na compilação “No Surrender”, lançada pela Frente Nacional Britânica. Depois de dissolver Above The Ruins, ele fundou Sol Invictus, que foi fortemente influenciado pelo pensador tradicionalista Julius Evola.
Do lado de Pearce, temos letras e atitudes mais ambíguas. Em canções como “Runes and Men” ele fala nostalgicamente sobre “outras vidas e tempos melhores”, enquanto no fundo Adolf Wagner, gaulaiter da Alemanha nazista, faz um discurso sobre como aquele que resiste por séculos terá séculos para se tornar mais forte. Ou, por exemplo, em “Rose Clouds of Holocaust”, ele poderia estar falando vagamente de negação do holocausto, mas da mesma forma poderia estar falando de uma multidão de outras coisas.
É em suas declarações que ele lança mais luz sobre esta questão.
Em 1985, a respeito de seu fascínio pela Noite das Facas Longas, ele diria à revista Vogue: “Nosso interesse não vem do desejo de esmagar a oposição, como alguns interpretaram, mas de uma identificação ou entendimento com os elementos esquerdistas da SA que foram purgados pelas SS”. Que ele usa as palavras “identificação” e “compreensão” é profundamente revelador, pois indicaria alguma simpatia pelas ideias proclamadas por este setor eliminado naquele dia.
Em relação às ideias pan-europeias das quais falamos anteriormente, Pearce se pronunciou em várias ocasiões a favor de uma certa fraternidade entre os povos do Velho Continente, além de declarar seu amor pela cultura europeia, e ele afirma até mesmo se sentir mais europeu do que inglês. Este interesse pela cultura europeia permeia o aspecto artístico e é a base de grande parte da identidade do grupo: as runas, a totenkopf, suas letras, são todas permeados por esta ideia.
Apesar disso, desde a fundação da banda, Pearce e Wakeford têm demonstrado uma atitude individualista e misantrópica que, à primeira vista, parece contradizer este discurso pan-europeu e revolucionário, ao mesmo tempo em que rejeitam qualquer definição política ou religiosa:
“Descobri ideais mais interessantes, ideias mais atraentes. Eu sou minha própria religião. Eu sou minha própria fé. Acreditar em si mesmo é o culto máximo. É a única magia que realmente funciona. É por isso que é também o mais difícil.”
Entretanto, tal contradição não é tal, e é, de fato, uma filosofia pessoal perfeitamente coerente com estas ideias “filofascistas”, por assim dizer. O equilíbrio entre “liberdade” e “ordem”, individualismo tornado compatível com a necessidade de autoridade, tem sido uma das respostas que os pensadores dissidentes, como Jünger ou Evola, têm proposto ao estado do mundo moderno.
Fonte: Death In June: Honor, disciplina y lealtad (substack.com)